As 90 mil empresas de contabilidade em atividade no Brasil só têm duas
alternativas diante do avanço da informatização nos procedimentos
contábeis, como a nota fiscal eletrônica e o futuro e-Social: evoluir e
aproveitar o novo filão de negócio ou fechar. Ou seja: "Evolua ou
morra".
O recado é do novo presidente da Federação Nacional das Empresas de
Serviços Contábeis e das Empresas de Assessoramento, Perícias,
Informações e Pesquisas e Contabilidade (Fenacon), Mario Berti, que
tomou posse no cargo em janeiro e na semana passada participou, no
Palácio do Planalto, da instalação do Comitê Interministerial de
Avaliação do Simples Nacional, a convite da presidente Dilma Rousseff.
"Infelizmente temos muitos colegas que não se prepararam para a
modernidade", admitiu Berti, em entrevista exclusiva ao DCI, ao relatar
que há profissionais recusando trabalhar com empresas que pagam pelos
regimes tributários do Lucro Real e do Lucro Presumido.
"Isso é triste, porque Lucro Real, Lucro Presumido, Supersimples são
formas de tributação e não uma forma de contabilidade", pontuou. "Essas
novidades todas são um divisor de águas. Tem que se preparar, tem que
qualificar o seu pessoal. Tem, enfim, que entender que essa é uma
realidade que não tem volta e que vai sobreviver".
No caso do e-Social, programa do governo que promete descomplicar as
chamadas obrigações acessórias das empresas, a exemplo do envio do
recolhimento do FGTS, Berti reconhece que no momento vai encarecer o
custo das empresas. Depois, previu, haverá a transmissão de dados
on-line, tornando-se um benefício, como considera hoje a nota fiscal
eletrônica.
Confira os principais trechos da entrevista:
DCI: Quais são seus principais projetos à frente da Fenacon?
Mário Berti: Uma bandeira de longa data é a luta contra a burocracia e
contra a carga tributária. E como nós representamos 37 sindicatos do
Brasil todo, temos uma meta de fortalecimento dos sindicatos e suas
bases, por uma razão muito simples: se o sindicato é forte, a federação
acaba sendo. A luta pela desburocratização e contra a carga tributária
se estende também aos estados e municípios, onde nós temos também
abrangência.
DCI: No Senado, o senador Flecha Ribeiro (PSDB-PA) fez um
pronunciamento afirmando que a carga tributária do Brasil aumentou quase
300% de 2000 a 2013. E dando conta de que o Brasil é o segundo país com
maior carga tributária da América Latina, perdendo só para a Argentina.
O que se pode fazer para diminuir isso e melhorar os serviços públicos
prestados?
MB: Eu discutia isso com o ex-secretário da Receita Federal Everardo
Maciel, e ele me falou algo emblemático: "A carga tributária é alta
porque o custo da máquina pública é alto".
Outra coisa. O governo hoje está muito bem equipado em informática. Se
isso está acontecendo, e vai acontecer cada vez mais, a base de
arrecadação deve aumentar. Me parece que aí seria assim uma boa
oportunidade para, aproveitando os benefícios da informatização da era
moderna, reduzir a carga tributária. Porque a base de contribuintes
fatalmente vai aumentar.
DCI: Alguns parlamentares governistas dizem que o governo está fazendo
alguma reforma tributária com a desoneração da folha, a Lei da
Informática...
MB: Mas ainda é muito tímida. Isso se mede agora com esse resultado da
carga tributária, divulgada no final do ano, de até 37% do PIB, que
reúne a soma das riquezas do País.
DCI: O e-Social vai encarecer muito o custo das empresas por que vai exigir que elas invistam muito em informática?
MB: Num primeiro momento, sim. Mas, se a gente levar em conta que na
sequência nós vamos eliminar algumas obrigações acessórias, que serão
dadas on-line, as coisas vão ficar mais fáceis. Agora, é verdade, num
primeiro momento vai encarecer porque as empresas de software, por
exemplo, vão ter que fazer as adaptações necessárias nesse novo projeto.
Mas, se nós formos considerar que recentemente lutamos contra Speed
fiscal, Speed contábil, nota fiscal eletrônica, e a sensação era a
mesma. A gente superou isso tudo, e hoje é uma realidade interessante
para as empresas e para contadores.
DCI: A nota fiscal eletrônica já é obrigatória?
MB: A nota fiscal eletrônica já é obrigatória para uma grande maioria
dos segmentos. Grandes empresas hoje, empresas do Lucro Presumido, Lucro
Real. Ainda tem algumas concessões para empresas do Supersimples. Mas é
muito pequeno o universo hoje.
DCI: A tendência é a informatização?
MB: Para todas as empresas. Até as que vão emitir cupom fiscal vão
entrar nesse processo. Vão ter que emitir cupom fiscal eletrônico, com a
transmissão on-line das vendas.
DCI: Muitas pessoas criticam o Speed e acham difícil compreendê-lo.
MB: Isso é uma coisa do ser humano. Tudo aquilo que é desconhecido a
gente tem medo dele, até que aprenda a lidar com o novo e ver que não é
um bicho de sete cabeças, até ver que é possível que esse temor se
transforme em benefício. Hoje eu digo que o Speed já é. O que acontece? O
contador, enquanto não existiam essas ferramentas, ele era obrigado a
fazer correções. Hoje, não emitiu a nota não tem mais como voltar atrás.
DCI: É claro que o Comitê Interministerial de Avaliação do Simples
Nacional deve aguardar a tramitação da nova revisão da Lei Geral das
Micro e Pequenas Empresas. Mas antes disso o senhor acha que é possível
algum avanço para desburocratizar?
MB: Tem um projeto chamado Redesim, que trata da abertura e do
fechamento de empresas, o que hoje é um absurdo, o que faz o Brasil ser
considerado um dos piores países do mundo em ambiente de negócios, na
avaliação do Banco Mundial. A Redesim tem o envolvimento das juntas
comerciais, da Receita Federal, das receitas dos estados. Não é coisa
fácil. É o gargalo. Mas a presidente Dilma quer que esse projeto esteja
praticamente implantado até o final do ano para reduzir de 115 dias para
cinco dias o tempo para abertura de novas empresas. E usar o tal do
registro único, acabar com inscrição estadual, municipal. O CNPJ vai ser
o único número de inscrição da empresa. Qual é o problema? A prefeitura
exige das empresas, independentemente de tamanho, coisas absurdas.
Tem-se uma estatística de que 90% das empresas que são abertas
diariamente são de risco baixo. Mas ela se sujeita às exigências dos
bombeiros. Se lá em Santa Maria [onde houve a tragédia na boate Kiss] já
tivesse implantado um sistema desse, os bombeiros não poderiam ir
dizendo que não foram fazer vistoria porque tinham 300 processos para
examinar. Então, eu acho que se não tem risco, faz o alvará de
funcionamento na hora. O ministro Afif está batendo muito nisso. Mesmo
goela abaixo, as prefeituras vão ter que aceitar isso.
DCI: A qualidade dos serviços das empresas de contabilidade no Brasil é alta, razoável ou baixa?
MB: Razoável. Infelizmente temos muitos colegas que não se prepararam
para a modernidade. Só para te dar um exemplo, ontem mesmo a gente
conversava com o pessoal de São Paulo e do Rio de Janeiro e eles
comentavam o seguinte: "Estão aparecendo clientes nas nossas empresas
por que o contador deles disse que 'olha, eu não atendo empresas do
Lucro Real, não atendo empresas do Lucro Presumido'." Lucro Real, Lucro
Presumido, Supersimples são formas de tributação e não uma forma de
contabilidade. E os profissionais não se sentem capacitados para dar
continuidade ao atendimento. Essas novidades todas são um divisor de
águas. Tem que se preparar, tem que qualificar o seu pessoal. Têm,
enfim, que entender que essa é uma realidade que não tem volta e que vai
sobreviver. Quem ficar querendo só atender empresas do Simples vai
morrer. É preciso que o contábil tenha a exata noção de que o momento é
sério e exige uma reflexão sobre o assunto decisão.
DCI: Quer dizer, evolua ou morra?
MB: Esse é o detalhe: evolua ou morra.
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