quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Supremo libera quebra de sigilo bancário pelo Fisco sem autorização judicial

Por 9 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal decidiu ser constitucional a Lei complementar 105/2001, que permite aos órgãos da administração tributária quebrar o sigilo fiscal de contribuintes sem autorização judicial. Ficaram vencidos no julgamento os ministros Celso de Mello e Marco Aurélio. Saiu vencedor o entendimento de que a norma não configura quebra de sigilo bancário, mas sim transferência de informações entre bancos e o Fisco, ambos protegidos contra o acesso de terceiros.
 
Segundo o STF, como bancos e Fisco têm o dever de preservar o sigilo dos dados, não há ofensa à Constituição Federal. Na decisão também foi destacado que estados e municípios devem regulamentar, assim como fez a União no Decreto 3.724/2001, a necessidade de haver processo administrativo para obter as informações bancárias dos contribuintes.
 
Os contribuintes também deverão ser notificados previamente sobre a abertura do processo e ter amplo acesso aos autos, inclusive com possibilidade de obter cópia das peças. Além disso, os entes federativos deverão adotar sistemas certificados de segurança e registro de acesso do agente público para evitar a manipulação indevida das informações e desvio de finalidade.
 
A discussão foi fomentada por cinco ações, um recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida e quatro ações diretas de inconstitucionalidade. Luiz Edson Fachin é o relator do RE, e Dias Toffoli, das quatro ADIs. Os processos discutem o artigo 6º da Lei Complementar, que trata do acesso pelo Fisco a informações bancárias sem a necessidade de pedir para um juiz.
 
O julgamento do tema começou na quarta-feira da semana passada (17/2), continuou na quinta-feira (18/2) e foi finalizado nesta quarta-feira (23/2), com os votos dos ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Luiz Fux e Ricardo Lewandowski. Na sessão desta quarta, o ministro Fux proferiu o sétimo voto pela constitucionalidade da norma. Ele seguiu a mesma linha tomada por Luís Roberto Barroso, sobre a preocupação quanto às providências a serem adotadas por estados e municípios para proteger os direitos dos contribuintes.
 
O ministro Gilmar Mendes também acompanhou a maioria, mas proferiu voto apenas no Recurso Extraordinário 601.314, pois estava impedido de participar do julgamento das quatro ações diretas de inconstitucionalidade por ter atuado como advogado-geral da União. Segundo o julgador, os instrumentos previstos na lei impugnada dão efetividade ao dever de pagar impostos, não sendo medidas isoladas no contexto da autuação fazendária, que tem poderes e prerrogativas específicas para fazer valer esse dever.
 
Como exemplo, Gilmar Mendes lembrou que a inspeção de bagagens em aeroportos não é contestada, embora seja um procedimento bastante invasivo, mas é medida necessária e indispensável para que as autoridades alfandegárias possam fiscalizar e cobrar tributos.
 
O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, último a votar na sessão desta quarta, modificou o entendimento adotado em 2010, no julgamento do RE 389.808. À época, a corte entendeu que o acesso ao sigilo bancário dependia de prévia autorização judicial.
 
“Tendo em conta os intensos, sólidos e profundos debates que ocorreram nas três sessões em que a matéria foi debatida, me convenci de que estava na senda errada, não apenas pelos argumentos veiculados por aqueles que adotaram a posição vencedora, mas sobretudo porque, de lá pra cá, o mundo evoluiu e ficou evidenciada a efetiva necessidade de repressão aos crimes como narcotráfico, lavagem de dinheiro e terrorismo”, afirmou Lewandowski.
 
Semana passada

 Na semana passada, Fachin afirmou que esse dispositivo é constitucional porque a lei “estabeleceu requisitos objetivos” para o repasse dos dados. Segundo o ministro, há um “traslado do dever de sigilo”.
 
A tese usada por Fachin é a mesma da Fazenda Nacional, para quem o ato não representa quebra de sigilo bancário. No entendimento do Fisco Federal, o que aconteceu é uma transferência de informações entre duas entidades que têm obrigação de sigilo: os bancos e a Receita Federal.
 
Para Fachin, essa transferência de informações é a “concretização da equidade tributária”, porque garante a justa tributação de acordo com as diferentes capacidades contributivas. Ele foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli, Teori Zavascki, Rosa Weber e Cármen Lúcia.
 
Já Dias Toffoli apontou dois elementos em seu voto: a inexistência de violação de direito fundamental (nesse caso, à intimidade) nos dispositivos questionados e a confluência entre o dever do contribuinte de pagar tributos e o do Fisco de tributar e fiscalizar. Toffoli também destacou que a Receita tem a obrigação do sigilo fiscal e que os dados bancários não são, em tese, divulgados.
 
O ministro Luís Roberto Barroso, primeiro a votar depois dos relatores, afirmou que o tema trata de “delicadíssima questão” e reconheceu que tem uma “posição doutrinária antiga de que a regra geral deve ser a reserva de jurisdição sempre que se cuida de quebra de sigilo”.No entanto, continuou Barroso, “é uma regra geral que parece merecer atenuação neste caso”. “Se a criação do Estado é um projeto coletivo, deve-se reconhecer que a solidariedade também se projeta no campo fiscal. Assim, o pagamento de tributos é dever fundamental lastreado na função fiscal assumida pelo Estado contemporâneo e no elenco de direitos fundamentais que pressupõe o seu financiamento”, votou o ministro.
 
Outro ministro favorável à lei, Teori Zavascki afirmou que os dados bancários não estão “no âmbito das informações pessoas pelo artigo 5º”. “Na verdade, o que a lei fala não é em quebra de sigilo. A lei expressamente autoriza no artigo 6º as autoridades e os agentes fiscais tributários a examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras. Não é para quebrar sigilo, é para examinar. Aqui a lei define um sistema para que não se quebre o sigilo.”
 
Teori também ressaltou que “todos os contribuintes já têm a obrigação de fornecer isso ao Fisco, ainda que essa obrigação seja de um retrato de um dia específico, o dia 31 de dezembro”.
 
Divergente
 
Na sessão desta quarta, o decano do STF, ministro Celso de Mello, acompanhou a divergência aberta na semana passada pelo ministro Marco Aurélio. Ele votou pela necessidade de ordem judicial para que a Receita Federal tenha acesso aos dados bancários dos contribuintes.
 
Para Celso de Mello, embora o direito à intimidade e à privacidade não tenha caráter absoluto, isso não significa que possa ser desrespeitado por qualquer órgão do Estado. Nesse contexto, em sua opinião, o sigilo bancário não está sujeito a intervenções estatais e a intrusões do poder público destituídas de base jurídica idônea.
 
“A administração tributária, embora podendo muito, não pode tudo”, afirmou. O decano disse ainda que a quebra de sigilo deve se submeter ao postulado da reserva de jurisdição, só podendo ser decretada pelo Poder Judiciário, que é terceiro desinteressado, devendo sempre ser concedida em caráter de absoluta excepcionalidade. “Não faz sentido que uma das partes diretamente envolvida na relação litigiosa seja o órgão competente para solucionar essa litigiosidade.”
 
Vencido na votação da semana passada, o ministro Marco Aurélio destacou em seu voto que “no Brasil pressupõe-se que todos sejam salafrários, até que se prove o contrário”. “A quebra de sigilo não pode ser manipulada de forma arbitraria pelo poder público”, reclamou.
 
Marco Aurélio criticou os colegas pela virada na jurisprudência, já que, em 2010, seguindo voto dele, o tribunal entendeu ser inconstitucional a quebra de sigilo pelo fisco sem autorização judicial. O ministro reputou o novo resultado à nova composição do Plenário, “talvez colocando-se em segundo plano o princípio da impessoalidade”.
 
Isso porque, como ele observou, “ante o mesmo texto constitucional”, mudou-se diametralmente de entendimento. “Embora não pareça, a nossa Constituição Federal é um documento rígido a gerar essa adjetivação, a supremacia. É ela que está no ápice da pirâmide das normas jurídicas.”
 
Em seu voto, Marco Aurélio fez referência ao inciso XII do artigo 5º da Constituição Federal, segundo o qual “é inviolável o sigilo de dados”. A única exceção para a violação desse dispositivo é se houver ordem judicial, mas “uma exceção que não é tão exceção assim”, segundo o ministro.
 
“A regra é a privacidade”, continuou o vice-decano. Quem detém a prerrogativa de quebrar o sigilo bancário é o Judiciário, explicou o ministro, e que mesmo assim é limitada pela Constituição. “A se reconhecer essa prerrogativa ilimitada da Receita, ter-se-ia uma atuação política para garantir a arrecadação.”
 
“Vulnera a privacidade do cidadão, irmã gêmea da dignidade, concluir que é possível ter-se a quebra do sigilo de dado bancários de forma linear mediante comunicações automáticas, como ocorre segundo instrução da Receita.”
 
Vitória da Fazenda Nacional
 
Em nota à imprensa, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou ter obtido "importante vitória perante o Supremo Tribunal Federal" com o reconhecimento da constitucionalidade do art. 6º da LC 105/2001.
 
"O STF entendeu que o poder de fiscalização inserido no Texto Constitucional autoriza o Fisco a obter os dados bancários dos contribuintes a fim de buscar elementos indicadores da sua capacidade contributiva e, assim, aferir a correção do recolhimento tributário, sem que se possa reputar contrariado o direito do cidadão à intimidade e à privacidade", afirma o órgão.
 
Segundo a PGFN, a decisão reafirma o zelo pelo devido processo legal e a preservação do sigilo fiscal, além de manter o Brasil entre os países signatários de acordos de cooperação internacional envolvendo trocas de informações. O órgão ressalta, ainda, que a decisão auxilia no combate à evasão fiscal internacional e a outros crimes, como lavagem de dinheiro, narcotráfico e terrorismo. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF.
 
ADIs 2.386, 2.397 e 2.859
RE 601.314
 

Empresa do Simples tem prazo maior para cumprir regra do ICMS

Foi prorrogado o prazo para que as empresas do Simples Nacional enviem aos fiscos declarações adaptadas à nova sistemática do ICMS interestadual. Agora, a chamada DeSTDA (Declaração de Substituição Tributária, Diferencial de Alíquota e Antecipação), referente a fatos geradores ocorridos em janeiro e fevereiro de 2016, poderá ser encaminhada até 20 de abril.
 
A medida não tem um efeito prático, já que uma liminar concedida pelo STF libera as empresas do Simples do cumprimento dessa obrigação. Mas para especialistas ouvidos pelo Diário do Comércio, o fato de o fisco continuar regulando a determinação, mesmo com a liminar, indica que os estados não liberarão, definitivamente, as micro e pequenas empresas das novas regras do ICMS.
 
Desde o início do ano, as empresas do varejo que vendem seus produtos para o consumidor final de outro estado são obrigadas a calcular o ICMS devido considerando as alíquotas do estado de destino, a interestadual e do estado de origem.
 
A medida, trazida pelo Convênio 93/2015 do Confaz, criou mais burocracia às empresas – que antes faziam o cálculo considerando apenas a alíquota do estado de origem. Além disso, a nova sistemática aumentou o valor do ICMS recolhido pelas empresas do Simples.
 
Toda essa complexidade criada pelos fiscos estaduais foi sentida pelas empresas, que passaram a criar departamentos contábeis apenas para cumprir as novas obrigações. As consequências para as micro e pequenas foram maiores.
 
Um estudo do Sebrae e da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm) apontou que 25% das empresas do Simples pararam de vender para outros estados depois das novas regras.
 
O que surpreende é que os fiscos estaduais, que impuseram as mudanças no cálculo do ICMS, também não conseguiram se adequar às próprias exigências.
“Os estados não estavam preparados para receber os dados. A Fazenda paulista precisou emprestar os softwares de Pernambuco e do Espírito Santo, mas não funcionaram”, diz Márcio Shimomoto, presidente do Sindicato das Empresas de Serviços Contábeis do Estado de São Paulo (Sescon-SP).
 
Em meio a toda essa complicação, o Confaz ampliou o prazo para entrega da DeSTDA, segundo o texto do Ajuste Sinief n°3, publicado no Diário Oficial da União de segunda-feira, 22/02.
 
Para Shimomoto, a ampliação do prazo não alivia em nada a situação das empresas do Simples. Segundo ele, essas empresas estavam sujeitas a uma alíquota de ICMS de 1,9%, mas após as regras, a alíquota subiu para 5%. “Em alguns casos, como nas vendas de produtos importados, aumentou para 20%”, diz o presidente do Sescon-SP.
 
Ele explica que, diferentemente das empresas de outros regimes tributários, que trabalham com débito e crédito de ICMS, as empresas do Simples não se creditam. Assim, pagam integralmente o chamado diferencial de alíquota do ICMS, que é a diferença entre a alíquota interna e a alíquota interestadual.
 
LIMINAR
 
O aumento de tributação para as empresas do Simples levou a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) a entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) livrando as empresas do Simples do cumprimento das novas regras do ICMS.
 
No dia 17/02 o ministro Dias Toffoli concedeu liminar favorável às micro e pequenas empresas. Mas a ação ainda precisa ser julgada pelos demais ministros do Supremo, que podem derrubá-la.
 
Segundo a OAB, as mudanças na regra do ICMS interestadual esbarram no direito constitucional que as empresa do Simples possuem de receber um tratamento tributário diferenciado.
 
O Confaz tem rebatido essa afirmação e insistido que as empresas sigam as novas regras. Os secretários das fazendas argumentam que, mesmo levando prejuízo para algumas empresas, o Convênio 93/2015 beneficia um número ainda maior.
 
A tributarista Viviana Cenci, assessora jurídica da Abcomm, diz que o fato de o Confaz continuar a regular o Convênio 93 indica que os estados apostam que a liminar favorável às empresas possa ser cassada. “Além disso, a liminar não impede que valores sejam cobrados de maneira retroativa caso seja derrubada”, diz Viviana.
 
A nova sistemática do ICMS interestadual foi criada para equilibrar a divisão do ICMS entre os estados. Isso porque, até então, quando ocorria uma venda interestadual para o consumidor final, o ICMS ficava integralmente com o estado de origem, onde está cadastrado o estabelecimento comercial.
 
Como a maioria do varejo do e-commerce tem sede no Sudeste, os estados de outras regiões passaram a reclamar de perda de receita, que se acentuou à medida que as vendas on-line cresceram.
 
“O problema é que tudo foi feito jogando o ônus nas costas do contribuinte. O Confaz criou obrigações passando por cima da Constituição. Todo o Convênio 93 é irregular”, diz a assessora jurídica da Abcomm.
 
Fonte: Diário do Comércio by Mauro Negruni

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