O Acórdão 9303002.218 – 3ª
Turma, Sessão de 14 de março de 2013, emitido pela Câmara Superior de
Recursos Fiscais (CSRF) define insumos:
Os dispêndios, denominados insumos, dedutíveis do PIS não cumulativo,
são todos aqueles relacionados diretamente com a produção do
contribuinte e que participem, afetem, o universo das receitas
tributáveis pela referida contribuição social. A indumentária imposta
pelo próprio Poder Público na indústria de processamento de alimentos
exigência sanitária que deve ser obrigatoriamente cumprida é insumo
inerente à produção da indústria avícola, e, portanto, pode ser abatida
no cômputo de referido tributo.
Em seu relatório a CSRF pondera que não é
possível estabelecer uma sistemática de não-cumulatividade similar
àquela aplicável ao IPI e ao ICMS, até porque o pressuposto de fato se
mostra distinto, como reconhece Marco Aurélio Greco, em brilhante estudo
sobre a matéria:
“Embora a não-cumulatividade seja uma ideia comum a IPI e a PIS/COFINS,
a diferença de pressuposto de fato (produto industrializado versus
receita) faz com que assuma dimensão e perfil distintos. Por esta razão,
pretender aplicar na interpretação das normas de PIS/COFINS critérios
ou formulações construídas em relação ao IPI é:
a) desconsiderar os diferentes pressupostos constitucionais;
b) agredir a racionalidade da incidência de PIS/COFINS; e
c) contrariar a coerência interna da exigência, pois esta se forma a partir do pressuposto de “receita” e não “produto”.
Além disso, a
constatação de que o ponto de partida constitucional é outro implica em o
sentido das normas que compõem o subordenamento do PIS/COFINS, ainda
que eventualmente utilizem as mesmas palavras utilizadas no âmbito do
IPI, serem também diferentes.
O significado
não é algo que se agregue indissociavelmente à palavra – como já o
demonstrou Alf Ross no seu clássico TûTû. O significado é evocado no
interlocutor e determinado pelo contexto em que utilizada a palavra. No
caso, o significado das palavras utilizadas nas leis examinadas é
definido pelo respectivo pressuposto de fato constitucionalmente
qualificado.A palavra utilizada num contexto cujo pressuposto de fato é a
receita assume sentido e alcance diferente do que resulta do contexto
em que o pressuposto de fato é o produto industrializado ou a circulação
de mercadoria.”(Não-cumulatividade do PIS/PASEP e da COFINS, p. 108-109).
É fundamental para se dirimir a questão posta nos autos, utilizar as regras da hermenêutica jurídica que fixam o “instrumento a ser utilizado pelo intérprete para alcançar o núcleo semântico da norma”, de modo a interpretar as normas legais atinentes à não-cumulatividade do PIS e da COFINS.
A hermenêutica, em apertada síntese,
elenca os seguintes métodos interpretativos: o gramatical, que diz
respeito à forma do texto e significado das palavras; o lógico, que,
pelo raciocínio, busca encontrar o pensamento jurídico subjacente à
edição da lei e esclarecer sua finalidade, através da perquirição acerca
da sua razão e da sua intenção; o histórico, caracterizado pela
investigação de elementos históricos subjacentes à edição da lei, os
motivos pelos quais os legisladores editaram a lei; o sistemático,
aquele em que se confronta o dispositivo legal com as outras normas,
visando à manutenção da unidade do sistema previsto no ordenamento
jurídico; e o teleológico, que se caracteriza pela busca da finalidade
da norma, ou seja, a finalidade da edição da lei.
Esses métodos de interpretação
constituem os parâmetros delimitadores da subjetividade do intérprete,
de modo a evitar juízos sem a devida fundamentação ou justificativa e,
portanto, arbitrários do ponto de vista jurídico, na medida em que
afastam, ou melhor, não permitem o controle de sua verossimilhança.
Veja que o controle é da verossimilhança
e não da verdade, que é estranha ao direito. Busca-se o justo e não o
verdadeiro, sendo que “o sentido do justo comporta sempre mais de uma
solução [Heller]”, daí Eros Grau sustentar que a interpretação do
direito é uma prudência, pois, o intérprete pratica a juris prudentia, e
não juris scientia. Segundo Eros, o:
“intérprete atua
segundo a lógica da preferência, e não conforme a lógica da
conseqüência [Comparato]: a lógica jurídica é a da escolha entre várias
possibilidades corretas. Interpretar um texto normativo
significa escolher uma entre várias interpretações possíveis, de modo
que a escolha seja apresentada como adequada [Larenz]. A norma não é
objeto de demonstração, mas de justificação. Por isso a
alternativa verdadeiro/falso é estranha ao direito; no direito há apenas
o aceitável (justificável).
Mas esta prudência recomenda que seja a
interpretação adequada a algumas pautas, assim elencada por Grau:
- a primeira relacionada à interpretação do direito no seu todo;
- a segunda, à finalidade do direito;
- a terceira, aos princípios.
A primeira das pautas emana que a
interpretação leve em consideração o direito como um todo, não de textos
isolados, desprendidos. Daí a celebre frase de Eros Grau de que “não se
interpreta o direito em tiras, aos pedaços.” Assevera o ilustre
Professor paulista que “a interpretação de qualquer texto de direito
impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo
percurso que se projeta a partir dele – do texto – até a Constituição.
Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico,
não expressa significado normativo algum.”
Com essa pauta, alcançaríamos a necessária coerência do ordenamento jurídico, pois, na dicção de Bobbio (1996), “num ordenamento jurídico não devem existir antinomias”, como condição de justiça do próprio ordenamento.
É certo que existem normas jurídicas
incoerentes, mas há regras que visam justamente dirimir os conflitos das
leis. Portanto, não é dado ao intérprete produzir algo que leve a
incoerência do ordenamento. Muito pelo contrário, seu trabalho precípuo é
construir conceitos tratando o ordenamento como um sistema harmônico,
como uma unidade, pois, o “direito objetivo, de facto, não é um
aglomerado caótico de disposições, mas um organismo jurídico, um sistema
de preceitos coordenados ou subordinados, em que cada um tem o seu
porto próprio”, conforme ensina Ferrara (2002).
A coerência não é condição de validade,
mas é sempre condição para a justiça do ordenamento. É evidente que
quando duas normas contraditórias são ambas válidas, e pode haver
indiferentemente a aplicação de uma ou outra, conforme o livre-arbítrio
daqueles que são chamados a aplicá-las, são violadas duas exigências
fundamentais em que se inspiram ou tendem a inspirar-se os ordenamentos
jurídicos: a exigência da certeza (que corresponde ao valor da
igualdade). Onde existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e
portanto ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir
nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de
prever com exatidão as conseqüências jurídicas da própria conduta, nem a
justiça, entendida como o igual tratamento das pessoas que pertencem à
mesma categoria.
A segunda pauta diz respeito à
finalidade. Com arrimo em Von Jhering, diz Eros que “a finalidade é o
criador de todo o direito e não existe norma ou instituto jurídico que
não deva sua origem a uma finalidade”, concluindo que “a “contemplação,
no sistema jurídico, de normas-objetivo importa a introdução, na sua
“positividade”, de fins aos quais ele – o sistema – está voltado. A
pesquisa dos fins da norma, desenrolada no contexto funcional, torna-se
mais objetiva; a metodologia teleológica repousa em terreno firme.”
A terceira e última pauta da
interpretação como prudência, requer que o intérprete esteja vinculado
pelos princípios, asseverando Grau que “a interpretação do direito deve
ser dominada pela força dos princípios; são eles que conferem coerência
ao sistema.”
As regras da hermenêutica e as pautas da
interpretação como prudência, que em minha opinião se complementam, dão
à interpretação a qualificação de jurídica e a necessária
verossimilhança.
Mas é importante frisar, para encerrar
este tópico, que há limites à interpretação. Celso Bastos ensina que “a
interpretação aparece diante do juiz como se fosse um quadro, ou melhor,
uma moldura, dentro da qual o intérprete tem a faculdade de exercer a
sua escolha, sendo que qualquer que seja a sua opção desde que dentro
deste perímetro ela é válida. Todavia, se a escolha recair fora deste
quadro, será inválida.” O que delimita a moldura é o texto normativo,
como assevera Eros Grau:
“Todo intérprete, embora jamais esteja submetido ao “espírito da lei” ou à “vontade do legislador”, estará sempre vinculado pelos textos normativos, em especial – mas não exclusivamente – pelos que veiculam princípios (e faço alusão aqui, também, ao “texto” do direito pressuposto). Ademais, os textos que veiculam normasobjetivo reduzem a amplitude da moldura do texto e dos fatos, de modo que nela não cabem soluções que não sejam absolutamente adequadas a essas normasobjetivo.”
Feitas as considerações preliminares acima é importante notar que o crédito de PIS e COFINS
não é sobre “insumo”. Em momento algum a norma legal diz isso. O
crédito é sobre bens e serviços adquiridos e custos, despesas e encargos
incorridos, pagos ou creditados. Basta uma leitura perfunctória pelos
dispositivos das Leis 10.637/02 e 10.833/03 para verificar que o crédito
sempre está ligado à aquisição de bens e serviços ou de um custo,
despesa ou encargo. O § 3º do artigo 3º da Lei nº 10.833/03, é expresso
neste sentido ao explicitar que o direito ao crédito aplica-se,
exclusivamente, em relação:
- aos bens e serviços adquiridos de pessoa jurídica domiciliada no País;
- aos custos e despesas incorridos, pagos ou creditados a pessoa jurídica domiciliada no País;
Voltando ao exame do recurso interposto
pela D. PGFN, penso acertada a conclusão da decisão recorrida. Veja se
que a contribuinte, para atender as exigências contidas na legislação
editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária ANVISA (conforme
IN nº 1, de 11/04/94, da Secretaria de Segurança e Saúde no Trabalho),
adquiriu vestimentas, calçados, luvas, capacetes e outros itens para a
indumentária de seus empregados, na atividade produtiva da empresa.
As vestimentas e demais acessórios
adquiridos pela ora interessada para o emprego na atividade produtiva da
empresa são despesas cujos créditos podem ser descontados, na forma do
art. 3 º, II, das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.
Nem se diga que não sofrem notáveis
desgastes no processo produtivo, sendo, pois, necessária a reiterada
reposição dos mesmos, haja vista se tratar de exigência contida na
legislação editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária
ANVISA.
A finalidade condicionante do crédito
estipulada pelo legislador foi a de que o bem ou serviço seja
utilizado/empregado “como insumo”. No contexto do dispositivo o termo
“como” expressa uma equivalência, uma semelhança, tratando-se de uma
conjunção comparativa. Isto que dizer, no contexto, que o bem ou serviço
não são necessariamente insumos, mas “utilizados como insumo”. Há uma
diferença substancial de ser insumo ou ser utilizado como insumo.
O sentido funcional de insumos não
discrepa do sentido econômico, constituindo insumos os bens e serviços
utilizados na produção de outros bens ou serviços, também denominados de
fatores de produção, abarcando as matérias-primas, bens
intermediários, uso de equipamentos, capital, horas de trabalho, energia
e etc. De acordo com Robert S. Pindyck e Daniel L Rubinfeld,
professores, respectivamente, da M.I.T (Massachusetts Institute of
Technolog) e da Universidade da Califórnia, em sua festejada obra sobre
Microeconomia, asseveram:
“Durante o processo produtivo, as empresas transformam insumos, também denominados fatores de produção, em produtos. Os fatores de produção são tudo aquilo que a empresa utiliza no processo produtivo. Em uma padaria, por exemplo, os insumos incluem o trabalho; matérias-primas, como farinha e açúcar; e o capital investido nos fornos, batedeiras e em outros equipamentos necessários à produção de pães, bolos e confeitos. Como se vê, pode-se dividir os insumos em amplas categorias de trabalho, matérias-primas e capital, podendo cada uma dessas incluir subdivisões mais limitadas. O trabalho abrange os trabalhadores especializados (carpinteiros, engenheiros) e os não-especializados (trabalhadores agrícolas), bem como os esforços empreendedores dos administradores da empresa. As matérias-primas incluem o aço, o plástico, a eletricidade, a água e quaisquer outros materiais que a empresa adquira e transforme em produto final. O capital inclui o terreno, as instalações, a maquinaria e outros equipamentos, bem como os estoques.”
O conceito jurídico adota o sentido econômico de insumo, consoante Maria Helena Diniz, que diz ser insumo:
“1. Despesa e investimentos que contribuem para um resultado, ou para a obtenção de uma mercadoria ou produto até o consumo final. 2. É tudo aquilo que entra (input), em contraposição ao produto (output), que é o que sai. 3. Trata-se da combinação de fatores de produção, diretos (matéria-prima) e indiretos (mão-deobra, energia, tributos), que entram na elaboração de certa quantidade de bens ou serviços. DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 870
Pois bem, os insumos do ponto de vista
econômico e jurídico podem ser divididos em várias categorias. Mas o que
importa ao presente caso é a divisão de insumos como fatores de
produção diretos e indiretos. Os insumos diretos são, por exemplo, as
matérias-primas, e os indiretos, neste caso, as indumentárias. Os
fatores de produção direitos podem ser, por sua própria natureza, tidos
como insumo. Os fatores de produção indiretos são insumos, não pela sua
natureza, mas sim por equivalência.
Conclui o relatório que: As
indumentárias representam, insumos indiretos os quais são necessários à
produção, porém, de forma indireta, não se agregando, sob qualquer
forma, ao produto final. De mais a mais, lembra-se que a indumentária
trata-se de requisito básico para a produção dos bens em face de
determinação imposta pela legislação da ANVISA.
Fonte: Equipe Valor Tributário
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