Cássio Casagrande
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Muitos críticos da
legislação laboral brasileira – especialmente os economistas – ao
defenderem a reforma trabalhista, sustentam que o Brasil deveria
inspirar-se nos Estados Unidos, onde, segundo apregoam, “não há CLT,
Justiça do Trabalho e o número de ações trabalhistas é pequeno”. A
adoção do modelo americano de regulação do trabalho, sustentam, ajudaria
a diminuir o “Custo Brasil”.
Quem defende ou repete estas ideias
demonstra grande ignorância sobre o direito e o sistema de justiça nos
EUA. Os Estados Unidos possuem sim uma legislação trabalhista flexível,
mas ela é abrangente e complexa, os tribunais americanos detêm ampla
competência para julgar conflitos laborais, exercendo-a com rigor, e as
empresas americanas gastam bilhões de dólares anualmente com
indenizações (e custos judiciais) decorrentes de processos trabalhistas.
Abordemos então a dura realidade norte-americana da judicialização das
relações de trabalho e seu impacto no “Custo EUA”. Entre o “sonho
americano” dos reformistas e os fatos há uma grande distância. Vejamos.
“OS EUA NÃO TÊM CLT”
É evidente que os Estados Unidos não
possuem uma legislação trabalhista sob a forma de consolidação ou de
código. Mas isto simplesmente se deve ao fato de que na tradição da common law
que aquele país segue não se favorece a adoção de leis gerais
codificadas e temáticas, mas sim de leis esparsas e precedentes
judiciais como principal fonte do direito.
Os EUA não possuem um Código
ou Consolidação de Leis do Trabalho como também não possuem um Código
Civil ou Código Eleitoral. Isto não significa que por lá inexistam leis
civis (sobre direito de família, propriedade, contratos, etc),
eleitorais (sobre a forma de organização das eleições) ou trabalhistas
(sobre limitação de jornada, salário mínimo, trabalho infantil,
segurança no trabalho, etc.).
Além disso, ao contrário do que
ocorre no Brasil, onde a União tem competência privativa para legislar
sobre direito do trabalho – em razão do que a lei trabalhista é uniforme
em todo o país, efeito aliás decorrente da ideologia francesa de
codificação aqui adotada -, nos EUA tanto o governo federal como os
Estados federados podem editar normas sobre relações de trabalho. E
todos o fazem, conforme o demonstra fartamente a jurisprudência da
Suprema Corte, em cujo rol de decisões históricas se encontram vários
casos de apreciação de constitucionalidade de leis trabalhistas
estaduais, como os célebres julgamentos Lochner v. New York, Muller v. Oregon, West Coast Hotel v. Parrish,
entre tantos outros. Ou seja, empresas de âmbito nacional como a IBM, o
Wal-Mart ou a Hertz, que estão instaladas em todos os estados do país,
precisam observar a legislação trabalhista federal (esparsa em vários
diplomas, como logo veremos) e a legislação trabalhista diferente de 50
estados. Obviamente, isto representa um alto custo de serviços
jurídicos, pois estas empresas precisam contratar advogados locais
quando a legislação trabalhista estadual é invocada. Além do que, é
claro, as políticas de recursos humanos são afetadas, sendo encarecidas
porque devem adaptar-se a cada realidade local. E as disparidades entre
as leis trabalhistas estaduais são tamanhas que, segundo a consultoria
Hiscox, o risco de o empregador ser processado por um empregado pode
variar de 15% (Missouri) a 66% (Novo México). Mas no Brasil ninguém
lembra deste “custo EUA” que não existe aqui, onde a legislação
trabalhista é uniforme em todo o território nacional.
Abstraindo a complexidade das
legislações estaduais, e ao contrário do que se imagina, a legislação
federal tampouco é simples, inclusive pelo fato de não estar
corporificada em um único diploma. A mais importante delas é a Federal Labor Standards Act – FLSA, editada em 1938 como parte das políticas do New Deal
do presidente F. D. Roosevelt. Não custa lembrar que esta norma é,
pois, anterior à nossa CLT, e mesmo sendo mais antiga que ela, ninguém
nos EUA a acoima de “anacrônica” – ao contrário; o governo do Presidente
Obama reforçou em 2014 a cobertura da FLSA determinando a sua aplicação
a trabalhadores que antes não eram regulados por ela.
Ao longo do tempo, a FLSA sofreu
diversas alterações, (como ocorreu com a CLT). Esta norma basicamente
introduziu o salário mínimo, fixou a jornada semanal em 40 horas, com
limite máximo de quatro horas extras semanais, proibiu o trabalho
infantil e regulamentou o trabalho de adolescentes. Em 1963 entrou em
vigor o Equal Pay Act, determinando o direito de equiparação salarial (equal pay for equal work) e coibindo discriminações por gênero. Em 1967, através da Age Discrimination in Employment Act, proibiu-se a discriminação salarial em razão da idade. Em 1983, a Migrant and Seasonal Agricultural Worker Protection Act
estendeu a legislação trabalhista aos trabalhadores rurais volantes. Há
também leis específicas sobre saúde e segurança no trabalho (Occupational Safety and Health Act, de 1970 e Mine Safety and Health Act de 1977), direito a afastamentos legais (Family Medical Leave Act, 1993) e sistema de seguro social e planos de saúde (Employment Retirement Income Security Act – ERISA,
1974). Há ainda uma série de normas que, embora não tenham foco na
relação de trabalho, criam de forma incidental regulações que impactam
os contratos laborais, como o Civil Rights Act de 1964, o Pregnancy Dicrimination Act de 1978, o Americans with Disabilities Act, de 1990, o Genetic Information Non-Discrimination Act de 2008, todos estes estabelecendo normas antidiscriminatórias no trabalho, ou o Patient Protection and Affordable Care Act,
de 2010, que estabelece a obrigatoriedade, para o empregador, de
assegurar espaço com privacidade para as trabalhadoras lactantes. Além
disto, é claro, os EUA possuem ampla legislação sobre organização
sindical e negociação coletiva, iniciada também no New Deal com a National Labor Relations Act (1935), a qual confere um grau de liberdade associativa e poder de barganha aos sindicatos maior do que o existente no Brasil.
Finalmente neste tópico, é preciso considerar que sendo um país de common law,
também são fontes primárias do direito do trabalho norte-americano os
milhares de precedentes em matéria trabalhista fixados pelas cortes
estaduais e federais, inclusive aqueles estabelecidos pela prestigiada
Suprema Corte do país, que possui caudalosa e relevante jurisprudência
em direito do trabalho, como se verá mais adiante.
“OS EUA NÃO TÊM JUSTIÇA DO TRABALHO”
É claro que os Estados Unidos não
possuem uma “Justiça do Trabalho”, porque isto se deve ao fato de que o
modelo americano de organização judiciária não segue o padrão de
especialização rationae materiae, típico em nosso mundo da civil law (padrão
que compartilhamos com a Europa Continental). Mas isto não significa
que não haja nos EUA “jurisdição trabalhista”, isto é, atribuição de
competência aos tribunais americanos para decidirem sobre questões
relacionadas a conflitos entre patrão e empregado. É simplesmente
ridículo e ingênuo imaginar que os trabalhadores americanos não possam
recorrer ao judiciário quando são lesados pelos seus patrões…
Tanto os tribunais federais (em
relação às leis trabalhistas da União) como as cortes estaduais
(relativamente às leis trabalhistas estaduais) julgam questões
decorrentes de relações entre empregado e empregador semelhantes às que
são submetidas à Justiça do Trabalho no Brasil, sendo as mais comuns:
reconhecimento de vínculo de emprego (inclusive quando o trabalhador é
fraudulentamente contratado como “autônomo” – independent contractor missclassification), pagamento de horas extras não reconhecidas e discussão sobre se o empregado está ou não sujeito controle de horário (overtime pay; exemption clause), falta de registro da jornada de trabalho (work off the clock), supressão de intervalos (missed rest and break meals), horas in itinere (transportation to and from work site), divergências quanto à terminação do contrato (wrongful termination), danos morais decorrentes de ações discriminatórias e de abuso de poder como assédio moral e sexual (harassment, muito frequentes nas cortes americanas), conflitos decorrentes de planos de saúde vinculados ao contrato de trabalho (ERISA), entre outras. Ou seja, nada muito diferente do que se passa aqui.
Outra crítica que recai atualmente
sobre a Justiça do Trabalho no Brasil tem como alvo o que seria uma
excessiva sumularização de sua jurisprudência. O TST estaria
“legislando” ao editar muitas súmulas e isto não teria paralelo nos EUA.
Esta afirmação beira o absurdo. Como já vimos no tópico anterior, em
razão do sistema stare decisis adotado na common law,
qualquer decisão de um tribunal americano produz por si só o mesmo
efeito que o de uma súmula no Brasil, uma vez que o seu caráter
vinculante é inerente ao próprio sistema. E, como já mencionamos, o
“direito do trabalho jurisprudencial” nos EUA é prolífico.
Um olhar comparativo atento mostrará,
inclusive, que muito do conteúdo das súmulas do TST também é matéria de
“jurisprudencialização” no direito norte-americano. Escolhamos ao
acaso três verbetes da jurisprudência sumular do TST que costumam ser
criticados no Brasil, e veremos que a mesma matéria foi objeto de
apreciação pela Suprema Corte dos EUA.
- A súmula 6, item IV, estabelece critérios para fixação do marco prescricional em pedidos de equiparação salarial; idêntica questão foi levada em 2007 à Suprema Corte, que fixou precedente no caso Ledbetter v. Goodyear Tire & Co (550 U.S. 618).
- As súmulas 366 e 449 tratam da controversa questão sobre a exigibilidade de pagamento dos minutos que antecedem e sucedem a jornada de trabalho; a Suprema Corte americana já se manifestou sobre esta questão em duas ocasiões, em 1946 no caso Anderson v. Mt. Clemens Potteru Co. (328 U.S. 680) e mais recentemente, em 2014, no caso Sandifer v. United States Steel Corp. (571 U.S._ ).
- A OJ 17 do TST estabelece entendimento sobre a constitucionalidade de fixação de contribuição assistencial compulsória em acordos coletivos, para os empregados não associados ao sindicato; em decisão do ano passado (2016), a Suprema Corte dos EUA apreciou exatamente a mesma questão em Friedrichs v. California Teachers Association (578 U.S._ ). É evidente que as soluções judiciais, cá e lá, não foram necessariamente as mesmas, mas o que se quer ressaltar é a inevitabilidade da criação judicial do direito em matéria trabalhista, em qualquer lugar do mundo, especialmente porque a lei não consegue acompanhar, no mesmo passo, as transformações rápidas das relações de trabalho.
Para os que, ainda assim, continuam a
achar a criação judicial do direito do trabalho brasileiro excessiva,
recorremos também aos números: no período 2009-2016, a Suprema Corte dos
EUA julgou o mérito de 62 casos envolvendo questões trabalhistas, sendo
que todos eles passaram a ser precedentes vinculantes (cerca de 10% dos
casos julgados pela Suprema Corte a cada ano estão relacionados a
causas trabalhistas). Ou seja, uma média de 8,85 ao ano, enquanto que a
média de criação de súmulas pelo TST é de 9,62 súmulas por ano: nada
muito diferente. Observe-se que a comparação é cabível, porque nos EUA a
Suprema Corte não apenas interpreta a Constituição, como também tem a
função de uniformizar a interpretação da legislação federal, inclusive a
trabalhista.
“OS EUA TÊM POUCAS AÇÕES TRABALHISTAS”
É fato que nos EUA o número de ações
trabalhistas é menor que no Brasil. Mas isto se deve, antes de tudo, a
uma característica que qualquer processualista conhece: naquele país, a
ação trabalhista típica é uma class action,
isto é, uma ação coletiva. Ou seja, o trabalhador, ao ajuizar uma
ação, pode representar todos os demais empregados e ex-empregados que
estão ou estavam em idêntica situação de fato e de direito (e os
trabalhadores representados sequer precisam anuir com o ajuizamento da
ação, pois eles automaticamente são considerados como parte no
processo). Trata-se de algo semelhante ao que aqui denominamos
“substituição processual”, porém ampliada. Assim, em uma única ação
litigam de fato centenas ou milhares de trabalhadores, o que faz com que
as ações atinjam valores estratosféricos. De acordo com o site law360.com,
as empresas americanas pagaram no ano de 2015 aproximadamente 2,5
bilhões de dólares apenas em acordos judiciais trabalhistas na Justiça
Federal relativos a processos coletivos (class actions)
de horas extras (imagine-se o “custo EUA” que isto representa…).
Observe-se que este dado não inclui ações relativas a outras matérias,
nem aquelas decididas ou acordadas na justiça dos estados, em órgãos
extrajudiciais estatais (law enforcement agencies) ou em juízo arbitral, comuns naquele país.
Alguns exemplos concretos de class actions
trabalhistas nos EUA: em 2006 a IBM pagou 65 milhões de dólares em uma
ação trabalhista relativa a horas extras não pagas – o valor foi fixado
em acordo na justiça federal. Em 2014, a justiça estadual da Pensilvânia
condenou o Wal-Mart a pagar a bagatela de 188 milhões de dólares por
supressão de intervalos intrajornada e não pagamento de horas extras (a
decisão beneficiou 187 mil trabalhadores, embora esta fosse considerada,
para fins estatísticos, uma única ação trabalhista…). Em 2016, em ação
ajuizada na Justiça do Estado de Illinois, a Amazon concordou em pagar
3,7 milhões de dólares aos trabalhadores residentes neste estado,
relativamente aos minutos que os trabalhadores gastam em inspeções de
segurança ao início e término da jornada de trabalho. Em fevereiro de
2017, a Disney, em acordo homologado na Justiça Federal da Califórnia,
pagou 100 milhões de dólares aos seus animadores por formar um cartel
com outras empresas do setor a fim de manter os salários daqueles
profissionais artificialmente abaixo do valor de mercado.
Nem mesmo os famosos clubes de strip-tease
escapam da jurisdição trabalhista americana: uma enxurrada de ações
coletivas vem obrigando os donos das casas a registrar os contratos de
trabalho das strippers –
originalmente contratadas como autônomas – e a lhes pagar diferenças
salariais e horas extras. Em uma das ações, a Deja Vu Entertainment
Corporation fechou acordo com as dançarinas do estado de Michigan por
11,3 milhões de dólares em 2011. Há processos semelhantes que chegam a
quarenta milhões de dólares. Empresas como Larry Flint Hustler´s Club,
Showgirls e Little Darlings também estão respondendo processos
semelhantes na justiça federal da California. Todos estes casos
milionários de ações coletivas estão registrados na grande imprensa dos
EUA e são facilmente encontrados na internet, bastando digitar nos
buscadores o nome das empresas aqui citadas e “labor (ou employment) class action”. Segundo dados do site law360.com, somente a justiça federal dos EUA recebe por ano cerca de dez mil class actions
relativas a horas extras. Pode parecer pouco, mas calculando-se de
forma bastante modesta que em cada ação estão representados pelo menos
cem trabalhadores, percebe-se que estes processos envolvem no mínimo,
numa estimativa muitíssimo conservadora, por volta de um milhão de
trabalhadores por ano.
Vejamos alguns outros dados sobre a
judicialização das relações trabalhistas nos EUA. Alega-se
frequentemente no Brasil que a Justiça do Trabalho é demasiadamente
protetiva ao empregado; mas de acordo com a consultoria americana
XCELHR, 67% das ações trabalhistas nos EUA são julgadas favoravelmente
ao empregado. Ainda segundo a mesma fonte, seis de cada dez empregadores
sofreram uma ação trabalhista nos últimos cinco anos naquele país. O
custo médio apenas com despesas judiciais em uma ação trabalhista é de
45 mil dólares. Uma outra pesquisa com empresas de até 500 empregados
revelou que em um quinto dos processos trabalhistas nos EUA o custo
médio para o empregador (incluindo a indenização à parte autora e as
despesas judiciais) foi de 125 mil dólares. A duração média dos
processos foi de 275 dias (ou seja, o empregador americano não consegue
postergar o pagamento do seu passivo trabalhista por quatro ou cinco
anos como acontece aqui). Quando não há acordo (settlement),
a média das condenações ficou em 200 mil dólares, sem contar neste caso
as despesas judiciais. Em um quarto das condenações o valor foi 500 mil
dólares ou mais (Fonte: Employment Practice Liability: Jury Award Trends and Statistics 2013 Edition, Thompson Reuters).
No Brasil, de acordo com os dados oficiais do TST, o valor médio das
ações na justiça do trabalho, considerado o período 2010-2016 foi de
aproximadamente R$ 5.000,00 (média no período de valores pagos ao
reclamante x número de ações ajuizadas). Portanto, ainda que fosse
verdadeira a afirmação de que os EUA têm menos ações trabalhistas, os
valores pagos pelas empresas americanas em ações deste tipo são
infinitamente maiores do que no Brasil. Deve-se lembrar que,
especialmente em casos de danos morais ocorridos no trabalho, os valores
indenizatórios nos EUA são altíssimos em razão do sistema de punitive demages lá adotado, em que o quantum devido é fixado considerando-se a natureza pedagógica da medida e a capacidade financeira da empresa.
Façamos uma breve comparação para
verificar a diferença entre os dois países neste quesito: aqui no
Brasil, em Porto Alegre, no ano de 2010, uma empresa de segurança
resolveu simular um assalto ao seu próprio estabelecimento, para
verificar se os seus empregados estavam adequadamente treinados para a
situação. Os “atores” entraram na empresa encapuzados, portando
armamento verdadeiro e intimidaram violentamente os empregados com
gritos e ameaças, os quais, apavorados, não sabiam que se tratava de um
“treinamento”. Uma das empregadas, tendo sofrido grande estresse
emocional, processou a empresa e recebeu à título de danos morais, na
Justiça do Trabalho, o valor de cinco mil reais (TRT 4a. Região, 0000772-37.2013.5.04.0012, autora Michele Diniz Costa, réu Brink’s Segurança e Transporte de Valores Ltda.).
Na Califórnia, em 2011, um supervisor de segurança de uma empresa na
região de Bakersfield teve a mesma “brilhante ideia”: simulou um assalto
à própria empresa, para ver se uma empregada que lidava com numerário
estava preparada para adotar as medidas de segurança corretas. Ele
entrou na empresa com uma máscara de mergulho e disse que estava armado
(embora não portasse arma alguma). A empregada, que não sabia do
experimento, ficou traumatizada e processou o empregador. Condenação da
Justiça do Estado da Califórnia: 360 mil dólares (Lee v. West Kern Water District et al.. California, Kern County Superior Court, S-1500-CV-277481).
Outro fator que deve ser considerado
para a aparentemente menor “judicialização” das relações de trabalho nos
EUA é o fato de que lá existem sistemas extrajudiciais de resolução de
conflitos laborais, tanto em nível federal como estadual, que são
bastante eficientes. Por exemplo, a U.S. Equal Employment Opportunity Comission
é um órgão federal que funciona como um tribunal administrativo, com
poderes de investigação, para questões relativas a discriminação nas
relações de trabalho. Este órgão sozinho aprecia cerca de cem mil
denúncias por ano, podendo não apenas resolver os conflitos por decisão
administrativa, como também, em caso de recidiva, ajuizar ações
coletivas para obter injunctions
(ordem judicial) contra os empregadores renitentes, em papel semelhante
ao desempenhado pelo Ministério Público do Trabalho no Brasil. Os
estados possuem órgãos semelhantes, que atuam para proteger e impor o
cumprimento da legislação (law enforcement), como por exemplo a California Division of Labor Standards Enforcement,
perante a qual também é possível a apresentação de reclamações
trabalhistas. Além disso, a arbitragem é largamente utilizada nos EUA
para questões trabalhistas, o que evita maior afluxo ao judiciário.
Em suma, conclui-se com clareza, por
conseguinte, que a taxa de frequência de ações trabalhistas nos EUA não
tem necessariamente relação com a taxa de conflituosidade nas relações
de trabalho naquele país.
AMERICANO, “MA NON TROPPO”
Por que afinal todos estes aspectos
“modernos” do direito norte-americano em matéria trabalhista e
processual não são lembrados pelos arautos da reforma, que insistem em
um único aspecto da legislação dos EUA, a flexibilidade e a prevalência
da negociação coletiva? Se é para “modernizar” o direito do trabalho,
por que não importar dos Estados Unidos o “pacote completo”?
Registre-se aqui que este
articulista, na sua atividade acadêmica no campo do direito
constitucional comparado, admira o eficiente sistema legal e judicial
americano. Por isso crê que poderíamos perfeitamente copiar o modelo
deste país em questões trabalhistas. Por exemplo, deveríamos autorizar,
por emenda constitucional, que cada estado brasileiro adotasse suas
próprias leis trabalhistas (que conviveriam com a CLT). Seria igualmente
válido adotar a ampliação da legitimidade nas ações coletivas na
Justiça do Trabalho, para que um único trabalhador representasse em
juízo todos os demais que foram igualmente lesados pelo mesmo empregador
(isto estava previsto no projeto do novo CPC, mas foi vetado pela então
presidente Dilma Rousseff, atendendo a pressão do grande capital).
Poderíamos ainda adotar o critério da jurisprudência americana para
fixar danos morais (punitive damages),
para que as indenizações tivessem caráter pedagógico e fossem fixadas
de acordo com a capacidade financeira da empresa (e não de acordo com
“tarifação” a partir do salário do empregado, como está no projeto de
reforma). Enfim, há muita coisa interessante que podemos aprender com os
americanos em matéria trabalhista…
Então, vamos sim debater a
modernização da legislação trabalhista: mas sem patranhas, mistificações
e meias verdades sobre a realidade da judicialização das relações de
trabalho nos Estados Unidos.
Cássio Casagrande - Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), da graduação e mestrado (PPGDC), no qual ministra disciplina de direito constitucional comparado Brasil/EUA.
FONTE: JOTA
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