terça-feira, 13 de outubro de 2015

Qual o papel do Contador na abertura de uma empresa? Somos treinados para tal fim?



Você quer "abrir" uma empresa? Mas com qual finalidade? Já pensou nas cláusulas do contrato social, caso decida por uma sociedade? Qual foi o grau de discussão com seu "sócio" sobre: morte; divisão patrimonial aos herdeiros; retirada de Prolabore; administração da empresa; capital de giro; plano de negócio; capital social; divisão dos lucros; porte da empresa; tipo de tributação; tempo de espera para o retorno do capital investido, etc.. 



E pensando na contabilidade, você e seu sócio, decidiram quem será o contador da empresa, pesquisou no mercado os contabilistas, buscou saber da necessidade de terceirizar a contabilidade ou não; sabe qual a finalidade da contabilidade; o que esperar dela; quais direitos e obrigações fazem parte na relação contratual entre empresa e contabilidade; apurou o quanto deseja lucrar, ou seja, qual será a margem de lucro da sua empresa, etc... 

E o cliente? Sim, o cliente, tanto o interno como o externo. O que espera deles, qual o público alvo, pretende focar na qualidade ou na quantidade dos produtos vendidos? 
E o Bairro? Já se informou se o bairro escolhido pode conter o tipo de empresa que irá abrir? Qual o impacto ambiental que sua empresa irá ou não causar ao meio ambiente e a sociedade ao redor? 



E a família? 


E nós contadores, qual o nosso real papel nessa hora?


Veja que não é tão simples abrir uma empresa. Há vários caminhos a trilhar, antes de constituir uma empresa.  Há perigos para os dois lados: empresa e contador.


Vou narrar aqui quatro situações para pensar:

Situação um: - Minha vizinha vendia bombons em frente a um grande colégio na cidade. Soube que comprando como pessoa jurídica as balas sairiam muito mais baratas. Já entrou no escritório perguntando quanto custava para abrir uma empresa. De cara, fiquei muito feliz, pela decisão de escolher meu escritório. Perguntei porque ela queria abrir uma empresa e logo fiquei sabendo que era apenas com a finalidade de comprar bombons a preços mais acessíveis. Elogiei sua decisão. Perguntei se ia abrir a empresa sozinha ou com mais alguém. Já foi respondendo que não queria ninguém metendo o dedo no seu negócio. Continuei: você pensa em ser optante pelo Simples Nacional, ser MEI ou não? Ela arregalou os olhos, deu um sorriso aberto e disse: num sei nem o que é isto. Aí começou minha saga. Após uma hora de breves explicações e finalizando que sendo MEI no primeiro ano não precisaria de um contador, mas por conta das demais obrigações e pelo princípio da continuidade ela em breve estaria necessitando de um contador. Baixou a vista e disse: Não havia pensado nisto. O governo disse que não tem trabalho nenhum, ora! Ela me olhou e perguntou quanto eu cobraria pela abertura da firma e pela contabilidade. Respondi com outra pergunta: Quanto vende por mês? Ela respondeu: - Uns R$600,00. Aconselhei que ela continuasse assim, na informalidade, até que seu faturamento suportasse pagar além das obrigações mensais, um bom contador.

Veja, temos que ser conscientes do nosso papel. Que é de orientar corretamente o cliente. Se não há condições próprias para a abertura de uma empresa, então é melhor não abrir.

Situação dois: - Um futuro cliente entrou querendo fazer a constituição de um consorcio para venda de camarões. Após duas horas de estudo sobre como proceder, documentação, viabilidade do plano de negócio, etc e mais outras vindas ao escritório, chegamos a pergunta chave: o valor a ser cobrado para abrir a empresa. Falei meu preço e os motivos do valor, que por conta do mercado na época, ser acima do cobrado pelos colegas. Resultado: foi para outro contador que cobrou a metade do preço pela abertura. E não voltou, conforme combinado, para pagar os honorários da consulta caso decidisse por outro contador. Tempos depois soube que a empresa faliu por problemas ambientais causados a sociedade.

O que aconteceu neste caso é normal, não há a obrigatoriedade de após consulta o cliente decidir constituir a empresa com o contador em questão. O erro: não ter cobrando ao final da consultoria.
Situação três: - Um cliente decidiu abrir um curso livre voltado para a área contábil. Como não gostava de dívidas, resolveu vender um terreno e com ele montou uma sala com a capacidade para 15 alunos onde cada um teria um computador para as aulas práticas. Ficou lindo o local. Ela seria a instrutora e ele o responsável pelo marketing e divulgação da empresa. Mandou-se fazer panfletos, anuncios, etc...Seis meses depois a empresa fechou por problemas pessoais com seu marido.

Aqui tratamos do cliente. Como se observa não basta ter o dinheiro e o conhecimento para a constituição de uma empresa é preciso amadurecimento, comprometimento. As empresas familiares tem esses problemas que já devem ser pensados no início do negócio. O risco está no fator "tempo" versus "laços familiares".

Situação quatro:  Um cliente indicou um amigo para abrir sua empresa de distribuição de bebidas conosco. Veio com toda a documentação necessária, dele e de seu sócio. Já sabia que seria um empresa limitada. Não questionou os honorários. O estranho foi o valor do capital social que nem dava para comprar um caminhão. Claro que a SEFAZ o convidou a comparecer e conversar para entender como ele iria abrir uma distribuição de bebidas com aquele capital. O cliente sempre calmo explicou que pretendia no primeiro momento alugar o caminhão e em um segundo momento iria comprar financiado pelo banco. O auditor me questionou sobre a idoneidade do cliente. Lembro demais que minha resposta foi: olha, o cliente chega com a documentação correta, apresentado por outro cliente, porém com um capital deste; acho estranho, mas não tenho motivos reais para me negar a fazer meu serviço, a não ser que vocês não permitam a abertura da empresa com base em alguma razão legal. A empresa foi aberta. Ainda tive contato com o cliente umas duas vezes pessoalmente, mas passados seis meses não tive mais contato. Os honorários foram se acumulando e depois de três meses comuniquei ao órgão que não era mais contadora dele. Resumo da obra: o cliente abriu a empresa para sonegar imposto e usá-la para abrir conta bancária, contrair empréstimo.  

Muito comum nos pequenos escritórios esta situação. Como saber da inidoneidade do cliente?

Realmente, a  posição do Contador não é confortável. A indecisão entre a sinceridade e a necessidade de ganhar dinheiro é uma verdade. Em um escritório, mesmo pequeno, há empregados que dependem financeiramente dele; despesas fixas e imprevistas; mas, mesmo assim, a ética deve ser a bandeira do Contador. Dinheiro deve ser apenas a consequência de um excelente trabalho.

Contudo, reconheço que não há como saber se o cliente está agindo com má fé, nem vejo porque ser responsabilizado por atos ilegais quando estamos pautados na nossa boa fé. As faculdades não ensinam como identificar um documento falso, nem como saber medir o valor de um capital social necessário para a abertura de uma empresa. Na verdade, o que se percebe é que o Capital Social muitas as vezes são apenas um mero trecho de uma cláusula contratual. E os contratos sociais são feitos com base no control-C control-V. Reprodução de um contrato social já cópia de outros. Não se aprende a abordagem ao cliente, descobrindo suas necessidades, nem como proceder em relação aos honorários. Tudo que se aprende são os princípios e conceitos contábeis. Prática, prática mesmo, só existe no currículo, pois em sua maioria são meros momentos de muita conversa.


O que fazer? Mudar o currículo escolar das Instituições de Ensino Superior e moldá-lo para o mercado terceirizado que é a realidade da maioria dos contadores. Inserir as disciplinas: "Atualidades Contábeis, Trabalhista e Previdenciária" e "Aprendendo a interpretar as Leis" no currículo. Da teoria pura para a pratica desde o terceiro semestre, algo similar o que acontece nas faculdades de medicina. Talvez assim, teremos contadores com competências e habilidades necessárias para o  mercado de trabalho. 


Darlene Maciel.

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